“Racismo (não) é coisa rara no Brasil”

Dialogar sobre alguns temas que tem sido levantados por bandeiras, tem se tornado cada vez mais difícil no Brasil. O fato de defender direitos para minorias de poder, falar sobre justiça social, demonstrar injustiças e entender que para situações diferentes, existem tratamentos que devem ser diferentes, pois nem todos partem do mesmo lugar na sociedade… É perceber alguns pontos chaves e engrenagens que fazem com que a sociedade se mova.

O racismo, é um desses pontos.

Por muitas configurações e forma como a mídia transmite o que seria racismo, no senso comum entende que racismo é somente, ou em sua grande maioria, é o xingamento falado, é o apelido ofensivo, é uma atitude pronunciada. E diante disso, as outras manifestações do racismo na sociedade passam desapercebido, passam sorrateiros diante dos olhos das pessoas, podendo chegar a afirmar sobre a inexistência e ou como pouco ocorre, como recentemente foi noticiado pelos jornais.

O racismo constitui-se num processo de hierarquização, exclusão e discriminação contra um indivíduo ou toda uma categoria social que é definida como diferente com base em alguma marca física externa (real ou imaginada), a qual é re-significada em termos de uma marca cultural interna que define padrões de comportamento (LIMA, VALA, 2004)

O grifo acrescentado na citação anterior, demonstra os princípios que envolvem o racismo: hierarquia, exclusão e discriminação. Isso se manifesta em diferentes populações, considerando diferentes marcas como características de inferioridade. No Brasil e em outros países, que sofreram colonização e utilizaram de populações africanas escravizadas, essas características são atreladas ao ser negro. E este me dedico neste texto.

Segundo os dados do IBGE (2014), cerca de 76% da população mais pobre no Brasil, é negra. A população que mais morre por causas violentas no Brasil, são homens, homens negros, e a maioria da população carcerária do Brasil, também é negra. Seria a pele destes, que os fazem se encontrar dentro destas tantas situações de vulnerabilidade?

Parafraseando Joaquim Nabuco, não é a africanização do Brasil que é negativa, mas sim os processos em que os africanos chegaram ao Brasil. Neste caso, os processos de escravidão e subserviência de uma população, que pós liberdade, não tinha casa, não tinha direito a escola e não era alfabetizada em quase toda sua totalidade (BISSIGO, 2014).  Foram esses processos, que ignorados durante o desenvolver do Brasil, fizeram com que a população negra, segundo Hasenbalg, se encontra em um “ciclo de desvantagens”.

O Brasil só tem uma política de reparação, que insere como um dos critério de raça/cor para sua medida de aplicação: A política de reserva de vagas, ou Lei de Cotas (n° 12.711/2012). E ainda muito questionada sobre sua aplicação e os porquês que envolvem essa lei existir… Quantas vezes, você foi atendido por dentistas ou médicos negros? Por que encontramos mais comumente pessoas negras em profissões de menor prestígio social, mas a cada vez que a valorização de determinada profissão ocorre na sociedade, menor se torna a presença de negros?

Segundo os estudos de Ristoff (2014), no Brasil, apenas 1,7% e 2,3% dos estudantes de Odontologia e Medicina, respectivamente, são pretos. Talvez, devêssemos nos perguntar os motivos que não sentimos a ausência de pessoas negras nos atendimentos particulares, como consumidores em lugares caros e não apenas servindo nestes lugares. Nunca nos perguntamos os porquês, das empregadas retratadas nas novelas ricas da zona sul do Rio de Janeiro, em horário nobre, eram negras. E as donas das mansões, eram brancas.

Fonte: Jota Jr.

Mas talvez, esses números e questionamentos estejam distantes da sua realidade… Permita-me adentrar mais no dia-a-dia. Quais são os padrões de beleza evocados pela sociedade? Quantas meninas e mulheres que você conhece, preferem manter o cabelo alisado, pois entendem que seu cabelo é “ruim”. Quem disse que cabelo crespo é ruim? Ou quem sabe, as piadas que “nego tem que trabalhar mesmo”, que “nego quando não erra na entrada, erra na saída”, que quem fez o preto foi o diabo. Mas… fulano só estava brincando quando disse isso, ele não seria racista por dizer tais coisas. O fulano pode ser uma ótima pessoa, ou até você mesmo, mas isso não impede de reproduzir uma cadeia de preconceitos que todo dia são reproduzidos na sociedade.

Sim, essas situações e as estruturas que estamos inseridos são racistas. E isso não é uma coisa rara no Brasil.

Em 1995, o jornal Folha de S.Paulo divulgou uma pesquisa […]. Apesar de 89% dos brasileiros dizerem haver preconceito de cor contra negros no Brasil, só 10% admitem tê-lo. No entanto, de maneira indireta, 87% revelam algum preconceito ao concordar com frases e ditos de conteúdo racista, ou mesmo ao enunciá-los. Tal pesquisa foi repetida em 2011, e os resultados foram basicamente idênticos, mostrando como não se trata de supor que os brasileiros desconheçam a existência do preconceito: jogam-no, porém, para outras esferas, outros contextos ou pessoas afastadas. Trata-se, pois, de “um preconceito do outro” (SCHWARCZ, 2012, p. 24, grifo acrescentado)

Desta forma, ignorando os problemas enquanto nação, a maioria se une a símbolos nacionais superficiais, buscando encontrar um elo, onde coloca-se embaixo do tapete, os preconceitos. Vemos cada vez mais enaltecer uma bandeira  que não comunica, um futebol que parece ser a única coisa que “anda e dá orgulho” no país. Enquanto isso, vocês já perceberam as plateias que assistem a esses jogos de ingressos caros, quantos negros são focados pelas câmeras da televisão?

O racismo não é coisa rara no Brasil, não é inexistente, provavelmente os olhos desatentos e pouco treinados a enxergar o que todo dia é estampado na cara, seja a melhor resposta. Qual a cor dos pedintes de rua? Ou dos meninos que estão vendendo doces nos sinais? Será que você também consegue enxergar, além da pobreza, e ver que existe cor?

Referências

BISSIGO, Diego Nones. A “eloquente e irrecusável linguagem dos algarismos”: A estatística no Brasil imperial e a produção do recenseamento de 1872. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianopólis, 2014

HASENBALG, C. Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1979

LIMA, Marcos Eugênio Oliveira, VALA, Jorge. As novas formas de expressão do preconceito e do racismo. Estudos de Psicologia, v.9, n.3, p. 401-411, 2004

NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo: Pubifolha, 2000

RISTOFF, Dilvo. O novo perfil do campus brasileiro: Uma análise do perfil socioeconômico do estudante de graduação. Avaliação, Campinas, v. 19, n. 3, p. 723-747, nov. 2014

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto, nem branco, muito pelo contrário – Cor e raça na sociabilidade brasileira. 1ª ed. São Paulo: Ed. Claro Enigma,.2012

 

 

 

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