O que me leva a amar a saúde pública

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.¹

A nossa história começa aí, no sexto artigo da constituição em 1988. Lembro quando este artigo foi escrito em um quadro negro, com giz, em uma sala de aula da primeira Universidade Pública que ingressei, há 5 anos atrás. E nisto comecei a ser educada sobre como a população paga com seu trabalho e esforços para pessoas, como eu, possam estudar em Universidades públicas e isso resulta, que o nosso trabalho deve voltar-se para a população. A população que não tem dinheiro de pagar serviços particulares, que não pode ser atendida no Sírio Libanês. Para essas pessoas que a Universidade Pública (IPES – Instituição Pública de Ensino Superior) e os profissionais que são formados por ela, devem existir (pelo menos, teoricamente).

Como profissional de saúde, para servirmos à população, nos vinculamos ao SUS (Sistema Único de Saúde). O SUS é um grande órgão de prestação de serviços, de maneiras diretas e indiretas para a população, não só na esfera pública mas também na  esfera privada. O SUS começou sendo uma conquista do povo para o próprio povo, o Movimento Sanitarista e a 8ª Conferência Nacional de Saúde, foram momentos chave para essa conquista. Por mais que pareça um início distante, que não conseguimos tocar tão propriamente, pessoas que vemos hoje participaram desta conquista, como por exemplo: Eduardo Jorge ( Médico Sanitarista, Candidato a presidência [2014], Candidato a vice-presidência [2018]).

O SUS revolucionou a forma de entender a saúde, neste processo, deixou-se de enxergar a saúde como apenas algo que seja ‘curativo’ (doença > sintomas > medicação > “curado”), passou a enxergar a saúde como algo construído, holístico e articulado. Entendendo que os processos que envolvem saúde-doença são muito mais profundos que o biológico, esses processos são influenciados pela economia, bem-estar, social, localidade, clima … Parece claro pensar assim, mas nem sempre enxergamos como essas linhas influenciam a nossa saúde.  E ampliando o conceito de saúde, pode-se compreender que “a cura” nem sempre vem atrelada a um remédio.

Outro fator super importante com o SUS, é a descentralização do poder de ação. Neste caso, os entes federados participantes, tem autonomia de realizar medidas de acordo com a sua necessidade. Então, o município tem sua autonomia, de semelhante forma o estado e acima a nação. Por isso que existem campanhas diferenciadas, por vezes uma cidade ou estado tem algum surto de alguma doença que necessita de demandas especiais fora da agenda nacional. A exemplo, os surtos de febre amarela na região centro-oeste  e sudeste, os casos de microcefalia no nordeste, e de maneira alarmante em Pernambuco.

O SUS tem uma participação coletiva dos seus conselhos de saúde, os quais auxiliam em sua formação e aperfeiçoamento. Esses conselhos são municipais, estaduais e nacionais, e são compostos por vias de servidores como também da participação de sindicatos, conselhos municipais, entidades de apoio a portadores de deficiência. E dentro do regimento do SUS é obrigatório que tenha o funcionamento dos conselhos.

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Fonte: Portal do cidadão, Alagoas

O SUS é um projeto magnífico, inspirado em sistemas de saúde de outros países que enxergam a saúde como algo integrado ( por ex. Reino Unido), mas tem suas deficiências… Quer seja de financiamento ou de trabalho, nem todo profissional ou usuário do SUS (ver cartilha do usuário [link no final do texto]) compreende com que estamos lidando. A saúde ela não pode ser negociável, pois pessoas não são negociáveis. E a saúde pública é formada por pessoas.

Vivemos em um país muito desigual e as oportunidades de qualidade de vida não são distribuídas igualmente para todos. Há pouco tempo atrás, atendi nos serviços de atendimento da Universidade, uma mãe e um filho (aparentava ter 12 anos), era a primeira vez dos dois no dentista. A mãe não sabia o que era um fio dental, quando comecei as instruções sobre saúde bucal. Outro dia, eu já estava saindo da clínica pois teoricamente meu paciente tinha faltado, arrumei as coisas e quando estou passando pela recepção, meu paciente estava lá, mas não tinha me ligado para avisar pois estava sem crédito e ficou com vergonha de me ligar a cobrar. Lembro de outra paciente, que se deslocava 8h de viagem no ônibus do TFD (Tratamento Fora Domícilio – ação do SUS dos municípios, no qual o paciente comprovando atendimento na outra cidade, tem o transporte sem custos) para ser atendida em Recife, pois o serviço que a mesma precisava só era prestado na capital.

Não é fácil lidar com situações tão complexas. Enquanto, nós, profissionais não conseguimos entrar e mudar a situação por completo, mas atuar na saúde pública me permite oferecer um direito deste cidadão: atendimento e prestação de serviços de saúde.

A saúde pública enxerga, quem o capitalismo não enxerga. Enxerga quem não pode pagar, enxerga a população indígena, a população negra, a população pobre. O que o artigo sexto propõe nas suas entrelinhas é assegurar que o cidadão seja digno. Que o mesmo não precise dividir a escova de dentes com os outros parentes da sua casa, que o diagnóstico de câncer ocorra previamente para que haja um bom prognóstico. Servir a população pobre pode ser desesperador, por vezes, por se deparar com situações que você se questiona se realmente ocorrem. Se deparar com profissionais que por alguma razão não tem zelo pela saúde do paciente. É na limitação de recursos ter que improvisar, pois naquele dia, você não estava com uma seringa especial para aquele tipo de tratamento, mas você fará o melhor com o que tiver em mãos.

Saúde pública é atenção básica, alimentação², academia da cidade, é a ANVISA realizando vistoria dos restaurantes, consultórios e alimentos vendidos, Posto de Saúde da Família (PSF),  CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), CAPS (Centro de Assistência Psicossocial), UPAs (Unidades de Pronto Atendimento), Fisioterapia, Saúde bucal entre outros… De maneira, universal, integral e com equidade.

NOTA: Quer saber mais sobre o funcionamento do SUS? Veja essa cartilha do Ministério da Saúde: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sus_principios.pdf

O SUS também dispõe de uma cartilha ilustrada sobre os direitos do usuário do Sistema de Saúde: http://cidadao.saude.al.gov.br/wp-content/uploads/2016/07/carta-dos-direitos-do-Cidad%C3%A3o.pdf

REFERÊNCIAS

¹ BRASIL. Constituição Federal, Art° 06, Disponível em <http://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_15.12.2016/art_6_.asp&gt; acesso em 24 jan 2019

² BRASIL, Guia Alimentar para a população Brasileira. Brasília: Ministério da Saúde, 2014
Dusponível <http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/novembro/05/Guia-Alimentar-para-a-pop-brasiliera-Miolo-PDF-Internet.pdf&gt; acesso 24 jan 2019

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